Coração suspenso por um fio de açúcar ou um ano de amor; Uma Estrangeira na França

A eterna Tacimirim ou Itacimirim

Ontem terminei de ler We’ll Always Have Paris, do excelente Brabdury. O conto Miss Appletree é especialmente delicioso, e poderia escrever um post inteiro sobre ele. Também avancei muito na leitura de Sarum, especialmente dos capítulos sobre Stonehenge. E já recebi lá em casa Mayaya, primeiro livro literário que traduzirei para o inglês.

Mas vou deixar esses assuntos de lado, para publicar aqui mais um capítulo — incompleto — do livro Uma Estrangeira na França. Infelizmente, o livro inteiro só ficará disponível em setembro, depois que eu voltar de viagem. Mas aviso por aqui assim que tiver novidades.

Coração suspenso por um fio de açúcar

Acordamos com livros. Ele me trouxe, na cama, um livro de Stephen Hawkings e uma bíblia do mundo de mídias sociais, e começamos a falar discretamente sobre física quântica. Toda vez que sua mão tocava na minha pele provocava uma reação físico-química, como se os meus ouvidos tivessem se enchido de água, e os pelos nos braços e nas pernas se eriçavam rapidamente. Gostava da voz, do cheiro, do toque em seus cabelos lisos e finos como os meus, do jeito como se mexia e até do espaço que ocupava no universo. Queria, em cada beijo, sugar tudo que havia nele, que era dele, para mim, fazê-lo meu de uma vez. Então era isso. Paixão que já nascia com amor, quando alguém te chama assim já na primeira noite, naquele primeiro dia 28 de julho.

Conhecemo-nos virtualmente, embora ele diga que se lembra de mim de quando éramos crianças, nos verões de Tacimirim. Um ano antes de nosso primeiro encontro, lá na Provença, sua mãe me mostrou uma foto, e eu pensei: vou me casar com ele. Nem podia dizer isso a alguém, então estava morando na França não fazia dois meses e já pensava em voltar? Logo eu que havia decidido morar lá para sempre, andando de trem e tramway para cima e para baixo, no meio daqueles leitores apaixonados.

Pensava nele como no futuro marido de uma vida que já não era minha. Conectamo-nos pelas mídias sociais – sua mãe mandou fotos de nosso fim-de-semana, e foi assim que ele soube de mim – e uma vez de volta ao Brasil, enviei-lhe uma mensagem e combinamos de nos encontrar.

Vesti-me toda de preto e fui até o bar. Nem pensava mais em casamento, havia decidido, deliberada e intransigentemente, que nunca mais me casaria nem teria filhos. E, de qualquer forma, todo mundo me dizia que ele tinha uma namorada bem bacana, e eu ainda nem havia terminado meu relacionamento francês. Queria um amigo, alguém com quem pudesse dividir minha Tacimirim perdida, meus livros, alguém que trouxesse as lembranças de Tia Tania e Tio Jean, que haviam sido tão importantes para a minha volta ao Brasil. Um mês de São Paulo, alguns dias depois de 30, disse a uma prima: Vamos marcar um happy hour com Tomás? Ela concordou, mas não foi. Foi assim. Fiquei do lado de fora do Astor esperando, no frio, depois ele chegou e nos sentamos na primeira mesa à direita, encostada à pilastra. Nosso jeito de sentar era parecido, com os ombros encurvados, como alguém que se abre para dentro, não para fora. Ele estava solteiro, ficamos lá das 8 da noite às 3 da manhã, e a dado momento ele me disse:

“Se um dia eu me casar com você…”.

Vivemos dias de vertigem, meu coração suspenso por um fio de açúcar. Falávamo-nos por telefone, por e-mail, por mensagem, por tudo. Havia um Tomás para cada canal de mídias sociais, para as mensagens de texto, para o e-mail, para as conversas por telefone, para as noites lado a lado na cama. E eu gostava de todos eles. Começamos a nos escrever poemas de amor, ele em inglês, eu em francês, acordados a noite toda, lendo Shakespeare ou Poe, ou então falando, do primeiro beijo, do primeiro amor, do primeiro namoro. Do misticismo de nossas famílias, de suas dinastias inventadas e heróis tão verdadeiros. Pela primeira vez abri para alguém aquele mundo à parte que havia construído só para mim, que começava na sala de estar de minha antiga casa em Salvador, naquele canto do sofá sob a luz da lâmpada aonde meu pai lia, passando pela grande sala de televisão onde eu sonhava, pela Sainte Victoire do jardim de sua mãe (minha tia adotiva), por Tacimirim, pelos mundos invisíveis que só os cegos de HG Wells enxergam – vê-se noite quando é dia e, do outro lado mundo, o navio que teria naufragado – até chegar naquele dia 28.

Era amor à primeira vista, como o de minha avó e meu avô, que se tinham conhecido em 1944, no Clube Bahiano de Tênis, ela com dezesseis anos. Toda a vida me dissera, “Casei-me com seu avô porque não poderia ter feito outra coisa”. E era a isso que aspirava acima de tudo, encontrar um amor cujo senso urgência atravessasse qualquer (im)possibilidade. Busquei estrangeiros, achando que com eles poderia compartilhar minha estrangeirice. Mas foi na França que entendi que era outra coisa. A certeza veio quando Tomás abriu um de seus cadernos antigos de escola e leu: “Sinto-me como um estrangeiro”. Eu também me sentia. Mas não mais.

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