Arquivo mensal: fevereiro 2014

Bonjour Tristesse, encore

Lendo Bonjour Tristesse

Lendo Bonjour Tristesse

Terminei de ler Bonjour Tristesse de Françoise Sagan e fui logo ver a adaptação de Otto Preminger (que pode ser baixada pelo iTunes). Cécile e Raymond, interpretados respectivamente por Jean Seberg (atriz americana com um “côté” francês, já que fez um dos filmes mais famosos da Nouvelle Vague, o Acossado de Godard) e David Niven são irresistíveis, como no livro. Deborah Kerr está impecável (eu ainda não vi um filme em que ela fosse menos do que perfeita) como Anne Larsen e talvez seja a única atriz daquela época (final dos anos 50) a combinar expertise técnica e ternura de um jeito tão consistente. Amei o filme como amei o livro — de quem me sinto orfã desde então — mas algumas coisas me incomodaram.

A dimensão psicológica tão rica de Sagan foi usada apenas superficialmente em Preminger, de modo que no resultado final falta uma ou outra camada a Cécile. Aliás, o fato de Seberg ser ridícula e incontestavelmente bonita — daquelas belezas óbvias e clássicas — também não ajudou. Cécile não é bonita, coisa que nunca é dita com todas as letras mas sempre subentendida (quando ela diz que é “maigre” em vez de “mince”, termo francês que ilustra a magreza saudável e atlética de Seberg, ou quando se compara à bela Elsa com um sentimento de grande inferioridade). E muito de sua complexidade vem daí: ela não é bonita e ainda sim é irresistível, “o charmoso pequeno monstro” como a autora ficou conhecida depois. Agatha Christie já dizia, em uma de suas incontáveis histórias de Poirot, que no caso de uma menina muito jovem a beleza é um fator determinante.

Mas o filme é adorável, e algumas soluções visuais bem charmosas. Não me canso da história ou dos seus personagens.

Esse post é uma continuação de minha resenha sobre o livro. Para lê-la, clique aqui.

Bonjour Tristesse

Cena do filme Bonjour Tristesse de Otto Preminger

Cena do filme Bonjour Tristesse de Otto Preminger

Bonjour Tristesse é um daqueles livros que eu “quase” li várias vezes. Aos vinte anos, ia à Livraria Cultura quase todos os dias e numa dessas visitas me deparei com a obra. Sobre o balcão de um dos funcionários, bem no topo de uma pilha de livros. Leitura breve, do jeito que eu gosto, com uma capa bonita e barata. O título era exatamente igual ao original: Bonjour Tristesse. Demorou para eu entender que se tratava de uma novela francesa traduzida para o inglês mas, assim que ficou claro, pensei que seria melhor lê-la quando dominasse a língua.

Naqueles anos, devo ter folheado centenas, milhares de livros que acabei não comprando por algum motivo, mas lembro-me especialmente de Tristesse. Não entendi a contracapa da obra nem as suas primeiras páginas. Na França, também dei-me com ela algumas vezes, perdida nas livrarias, sempre adiando a compra, e quando comecei a ler em francês diretamente no Kindle, Sagan e seu Bonjour foram alguns dos primeiros nomes que busquei, sem sucesso.

Ontem, passeando pela Cultura, e mais especificamente pelas sessões de livros em francês e espanhol — que estão caríssimos, todos eles — encontrei Bonjour mais uma vez, no original. Achei que era coisa do destino e que deveria levá-lo para casa. Que mesmo a minha resistência a ler “no papel” (sim, a experiência de leitura no Kindle é melhor em todos os aspectos: textura, legibilidade, luz, intimidade com o livro, seja sob o sol de meio dia ou a escuridão da noite) devia dar uma pausa agora que tenho tempo. E deu. Comecei o livro ontem, à tardinha, e em menos de 24 horas devorei as suas 154 páginas. E agora me sinto quase orfã dele.

Cécile, a protagonista, tem apenas 17 anos, e Sagan tinha ela mesma 18 anos quando publicou o livro. O estilo é claro e a leitura rápida, mas permeada por hesitações adolescentes. As primeiras três ou quatro páginas me causaram estranheza: o uso de uma outra palavra mais rebuscada, alguma construção sofisticada… Como o próprio Somerset Maugham disse uma vez, a gente só alcança a clareza total e absoluta na maturidade literária.

Eu não sabia o que esperar de Cécile, Raymond, Elsa ou da recém-chegada Anne. Mas as palavras de Cécile estabeleciam uma linha direta comigo, eu as sorvia avidamente, como se tivesse 17, 18 anos de novo. Cécile e seu “ménage” sensual, escandaloso, irresponsável, Cécile e suas contradições de adolescente ora intelectual, ora estúpida, ora frívola, ora profunda. É impossível resistir ao efeito do sol da manhã na sua janela, aos seus banhos de sol do meio dia, ao romance delicioso com Cyril. Cada vez que leio “ce moi” lembro-me de minha dualidade juvenil, da gravidade e da leveza que cada pequeno incidente de minha breve existência infantil assumiam alternadamente, dos jogos que eu criava na minha cabeça, e de como eu lidava com esses personagens “fora de mim”.

Lê-se Tristesse como uma narrativa rica e visual, pontuada pelas opiniões, sentimentos, aforismos de Cécile. Ela, o pai e sua amante Elsa estão passando o verão numa vila na Côte d’Azur. Ele é viúvo: a mãe de Cécile morreu há alguns anos, e ela morou quase toda a vida num pensionato. Desde que saiu de lá há dois anos, mora com o pai e leva ao lado dele uma vida despreocupada, com todo tipo irresponsável de luxo: as pessoas de seu “entourage” (amante incluída) são belas e divertidas, as festas breves, a bebida abundante, o verão em vilas suntuosas. Cécile até começa um romance sem importância com Cyril. Tudo vai bem, até que Anne, uma estilista inteligente, sensível e elegante, amiga da mãe de Cécile, aparece. Ela é respeitada por todos mas a antítese de seu estilo de vida. Está apaixonada por Raymond e determinada a desempenhar o papel de mãe de Cécile. Cécile, por sua vez, nutre uma grande admiração por ela e a considera sua rival.

A história é vivida nas reflexões da adolescente tanto quanto na ação propriamente dita, e deve ser isso que faz do livro grande literatura. Sua duração é breve, mas a história e as personagens ficam muito tempo depois. Estou com saudades de Cécile.

Para quem quiser ler o livro em português, ele está disponível nesse link: Bom dia, Tristeza.