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Bonjour Tristesse, encore

Lendo Bonjour Tristesse

Lendo Bonjour Tristesse

Terminei de ler Bonjour Tristesse de Françoise Sagan e fui logo ver a adaptação de Otto Preminger (que pode ser baixada pelo iTunes). Cécile e Raymond, interpretados respectivamente por Jean Seberg (atriz americana com um “côté” francês, já que fez um dos filmes mais famosos da Nouvelle Vague, o Acossado de Godard) e David Niven são irresistíveis, como no livro. Deborah Kerr está impecável (eu ainda não vi um filme em que ela fosse menos do que perfeita) como Anne Larsen e talvez seja a única atriz daquela época (final dos anos 50) a combinar expertise técnica e ternura de um jeito tão consistente. Amei o filme como amei o livro — de quem me sinto orfã desde então — mas algumas coisas me incomodaram.

A dimensão psicológica tão rica de Sagan foi usada apenas superficialmente em Preminger, de modo que no resultado final falta uma ou outra camada a Cécile. Aliás, o fato de Seberg ser ridícula e incontestavelmente bonita — daquelas belezas óbvias e clássicas — também não ajudou. Cécile não é bonita, coisa que nunca é dita com todas as letras mas sempre subentendida (quando ela diz que é “maigre” em vez de “mince”, termo francês que ilustra a magreza saudável e atlética de Seberg, ou quando se compara à bela Elsa com um sentimento de grande inferioridade). E muito de sua complexidade vem daí: ela não é bonita e ainda sim é irresistível, “o charmoso pequeno monstro” como a autora ficou conhecida depois. Agatha Christie já dizia, em uma de suas incontáveis histórias de Poirot, que no caso de uma menina muito jovem a beleza é um fator determinante.

Mas o filme é adorável, e algumas soluções visuais bem charmosas. Não me canso da história ou dos seus personagens.

Esse post é uma continuação de minha resenha sobre o livro. Para lê-la, clique aqui.

Dissecando Agatha Christie

A Rainha do Crime, Agatha Christie

A Rainha do Crime, Agatha Christie

Outro dia me dei conta de que li oito livros de Agatha Christie só nesse ano. Se não me engano, o primeiro foi Curtain: Poirot’s Last Case: assassino incrível, Poirot perfeito, depois voltei para o princípio, The Mysterious Affair at Styles — adoro o Capitão Hastings. Five Little Pigs, que havia começado e parado de ler algumas vezes — ou será que foi The Hollow? E aí, de uma só vez, Death in the Clouds, Peril at End House, Death on the Nile e Sad Cypress.

Curtain e Styles são os dois melhores dessa lista parcial. Achei Death on the Nile fraco, quer dizer, muita elaboração para pouca história — e a vítima é insuportável; Peril instiga e obedece a uma lógica um pouco diferente, mas já vi gente descobrir quem era o assassino logo nas primeiras páginas. Five Little Pigs é bem melhor do que eu esperava, mas sem grandes surpresas. The Hollow vale por causa de uma das personagens. Sad Cypress é curioso, e Death in the Clouds tem um certo valor emocional — já que foi a primeira vez em que descobri quem era o assassino!

Depois de ler tanto Agatha, comecei a notar alguns padrões nas histórias:

Sempre tem um ou dois personagens muito, mas muito bonitos, o que me faz pensar que talvez Ms. Christie não tenha sido, ela mesma, tão bonita — quando eu era adolescente, adorava escrever histórias com personagens lindos, e para não deixar dúvida alguma sobre essa perfeição estética, descrevia-os com uma porção de adjetivos vazios, ao que meu professor objecionava, perguntando se isso mudava alguma coisa na história. Bom, no caso de Christie, o belo pode ser a vítima, o assassino, a causa ou a oportunidade. Ou mais de um combinados.

Sempre tem uma fortuna no meio. O próprio Poirot costuma dizer que a maioria dos crimes apresenta uma solução bem simples. Bom, eu diria que a causa geralmente é dinheiro, quando o assassinato é premeditado, e luxúria, quando não é. Mas, é claro, os melhores livros são mais surpreendentes. Gosto especialmente de um deles — e não vou dizer qual é, mas não está nessa lista — o assassino matou por um quadro de Vermeer (ou será que era outro pintor?).

Sempre tem alguém acima de qualquer suspeita, pode procurar. Nos primeiros livros que li de Agatha, minhas desconfianças iam de um personagem para outro, até o livro acabar. A coisa ficava ainda pior quando Hastings aparecia na história. Ele e eu quase enlouquecíamos juntos, mudando de assassino a cada nova página. Mas sempre havia alguém acima de suspeita. E este alguém não era, necessariamente, o favorito de Hastings (sim, ele tem favoritos), mas alguém para cima de quem Poirot jogava Hastings: para dar um passeio no parque, por exemplo. Depois que eu descobri isso, minha vida de leitora ficou muito mais fácil.

Sempre tem um médico, ou um dentista, ou os dois. Bonitos, jovens e quase onipresentes — estão em todo lugar, no avião, na casa do paciente, no trem — bem na hora! E pelo menos os dentistas não estão acima de suspeita — em um dos livros, que eu não vou dizer qual é, Poirot subverteu todas as regras e até mudou o par romântico do final… Que pena.

Toda história tem um final feliz. Depois do 10º livro, a autora acaba se confundindo com Poirot. Eu até diria que ela vira Poirot. Aí vem a hora em que a gente lembra que, no fundo ou até na superfície, Christie é mulher. A maioria de seus livros — só consigo pensar em dois que são exceções que confirmam a regra — acaba com um par romântico. E, veja bem, nem sempre é o par que os próprios personagens envolvidos tinham em mente — Poirot é o cupido. Parece que em matéria de crime e amor, a última palavra é sempre a dele!

E eu já vou pensando no próximo livro…

Literatura esquecida, romances prolixos e um buquê de conchas

Novembro 2012. Experimentando vestidos...

Novembro 2012. Experimentando vestidos…

Só agora me dei conta de que não escrevo há dias. E nem posso dizer que é por causa da chuva. Mas tenho lido bastante. Depois de Schmitt e seu Hotel de Dois Mundos, com sua visão delicada e clichê do amor à primeira vista (o “coup de foudre”, como dizem os franceses) e das almas gêmeas, embarquei de corpo e alma em Maigret, de Simenon. Todo Maigret é excelente, e como só tive contato com ele muito depois de conhecer Poirot, devo dizer: Maigret é um Poirot mais discreto. Mas não há dúvidas de que Miss Christie quis render uma grande homenagem ao escritor belga Georges Simenon.

Para quem não conhece Simenon, ele escreveu mais de 500 livros, e dormiu com cerca de 10 mil mulheres. Um verdadeiro prodígio. Maigret, no entanto, foi fiel à mesma mulher durante todas as suas histórias — ou talvez a Mme Maigret, cujo primeiro nome desconheço (ainda não li todos os livros dele), fosse uma mulher diferente a cada nova aventura. Não importa.

O próximo livro da lista é The Falls, de Joyce Carol Oates, recomendado por minha querida tia — e sogra — Tania. Nunca li nada da escritora, e embora seja normalmente avessa a livros de mais de 350 páginas, mal posso esperar para começar a lê-lo. Continuo mudando constantemente de “biblioteca” Amazon, mas devo dizer que a loja francesa atende à maior parte dos meus desejos. Tenho dois ou três livros franceses para ler, e tenho flertado com alguns títulos americanos também. Tomás queria comprar Alfred Hitchcock: A Life in Darkness and Light mas… 900 páginas? Dia 08, sexta-feira que vem, será a estreia do filme Hitchcock, estrelando Anthony Hopkins, Helen MirrenScarlett Johansson. É o meu diretor favorito, de uma paixão sem reservas, e tenho quase certeza de que o filme é bom, embora provavelmente não seja ótimo — nem Hopkins com toda a maquiagem do mundo conseguiria transmitir a ideia de um dos melhores cinemas de autor.

*

Menos de nove meses para o casamento. Para quem começou a ver vestidos de noiva em setembro do ano passado, o tempo passou muito rápido! Mas tenho certeza de que tudo vai dar certo. No meio tempo, vou preparando um post só de noivas, que talvez publique aqui também. Hoje me mandaram uma foto de um buquê de conchas, um verdadeiro sonho de consumo.

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Last but not least. Hoje, Pierre Dukan, criador da famosa Dieta Dukan, estará na Livraria da Vila da Lorena para uma palestra seguida de autógrafos. O acesso é gratuito! Para mais informações, clique aqui.

Todos os livros da Amazon podem ser seus; O Hotel dos Dois Mundos

Livros da minha biblioteca de papel preferida

Livros da única biblioteca de papel de que realmente gosto: a do meu pai

Nesse feriado tomei coragem para fazer aquilo que já queria há muito tempo: mudar a minha conta Amazon para os Estados Unidos e, depois, para a França, para comprar livremente ebooks em inglês e em francês (embora não ao mesmo tempo). A disponibilidade de conteúdo na Amazon — e em qualquer outro lugar deste vasto mundo digital — varia de acordo com o país porque as editoras estipulam os royalties dessa forma. Nunca entendi como funcionam esses royalties (mas dá para ter uma ideia de como o conceito se aplica a editoras independentes aqui nesse link), nem as leis de direitos autorais para cada país, mas sempre achei um contra-senso limitar o acesso a um conteúdo que de outra forma seria livre para qualquer um com acesso à Internet em qualquer lugar do mundo.

Quando a Amazon lançou a loja deles por aqui, falei por chat com alguns dos atendentes. Queria saber o seguinte: se eu mudasse para a loja brasileira, poderia mudar de volta para a americana? Eles disseram que sim. Mas eu não arrisquei, porque tenho muitos audiobooks na minha conta na Amazon e estava com medo de perdê-los — talvez isso já tenha sido mudado, é preciso checar. Mas no comecinho do feriado, me dei conta de que vários livros que eu planejava comprar — Julian Barnes, Agatha Christie e os dois últimos livros da Trilogia dos Cinquenta Tons — não estavam mais disponíveis ou só podiam ser comprados no pacote (e se eu já tinha um dos livros para quê mesmo iria querer comprá-lo de novo?). Foi aí que alguém da Amazon sugeriu que eu mudasse o país — até então Brasil — para Estados Unidos. Pronto. Num passe de mágica, todos aqueles livros — e outros mais — apareceram na loja.

No dia seguinte, resolvi ir mais longe. Mudei meu país para França e transferi a minha conta para Amazon.fr. Foi uma das melhores decisões literárias que tomei nos últimos anos, pois instantaneamente tive acesso aos títulos contemporâneos de alguns dos melhores e mais lidos escritores franceses. Gente como Éric-Emmanuel Schmitt — meu preferido até o momento –, Tatiana de Rosnay — tenho dois livros dela em versão brochura, mas até agora não tive coragem de ler, Marc Levy — que ainda acho meio autoajuda –, Guillaume Musso e Katherine Pancol — de quem provavelmente gostarei muito (leia sobre esses autores aqui). Li um livro inteirinho de Schmitt ontem, e recomendo muito. Mas o principal, mesmo, é ganhar acesso fácil à literatura francófona de hoje em dia, um luxo.

Para quem quer fazer o mesmo e transferir a conta de uma loja para a outra, aí vai um Passo a Passo bem básico:

Mude a sua configuração de país.

No canto direito da página, clique em Your Account e então em Manage Your Kindle. Na barra esquerda, você verá a opção Country Settings.

É lá que você deve escolher o país e inserir um endereço ou código postal válidos.

Não se preocupe, a Amazon não se comunicará com você de nenhuma forma por meio deste endereço físico.

Transfira sua conta.

Se você já usa a Amazon.com e mudou a configuração de país para Estados Unidos, o catálogo aparece para você instantaneamente. Mas se você mudou para Brasil, França ou outro país, você deve entrar na página da loja virtual e autorizar a transferência.

Leia com atenção quais itens serão ou não transferidos. Como não tenho nenhuma assinatura, apenas ebooks e audiobooks, para mim não teve problema. Mas é melhor garantir.

Bom, este é meu depoimento de cliente Amazon cada dia mais feliz 🙂

*

Devo acrescentar que alguns amigos meus compram conteúdo fora da Amazon para ler no Kindle ou no Nook ou em qualquer outro ereader há muito tempo. E que há outros métodos de transferência que não envolvem mudar de conta a cada momento, mas talvez exijam contas múltiplas e bastante trabalho — eu por exemplo nunca conectei nenhum Kindle meu ao computador (leia aqui para conhecer mais).

A Livraria Cultura também vende o Kobo, que é bem híbrido nesse sentido. Enfim, as opções são infinitas. Mas eu continuo fiel ao Kindle e à Amazon, que ao longo dos anos se tornou, sem sombra de dúvidas, a minha livraria favorita. O Kindle é o melhor ereader que já vi e o catálogo global de livros eletrônicos é excepcional. E torço muito para que um dia as editoras ofereçam seus livros ao mesmo tempo para o mundo todo, e nós leitores possamos escolher o que queremos ler, a qualquer hora.

*

O post acabou ficando longo demais, mas no próximo falarei sobre os dois livros que terminei de ler no feriado, The Hollow, de Ms Christie, e L’Hôtel des Deux Mondes, de Schmitt. Fiquei particularmente fascinada por esta peça de pouco mais de 150 páginas que li inteirinha na noite de quarta-feira de cinzas. Schmitt me fez rir em voz alta e chorar também, com sua história simples, escrita cristalina e personagens de carne e osso. Às vezes acho que gosto da dramaturgia mais do que tudo, porque lá as imagens e as palavras servem aos seus verdadeiros mestres.

E já estou lendo Maigret et le Fantôme, de Georges Simenon. Adoro Maigret e tenho certeza de que ele foi a inspiração de Christie para criar Poirot!

Dukan, Cupcakes, Kleist. E mapeamento genético

Cupcake da Delicake, para quem não está fazendo a Dukan

Cupcake da Delicake, para quem não está fazendo a Dukan

Nos últimos meses escrevi alguns posts sobre a Dieta Dukan. Estava empolgadíssima com livro e método do neurologista francês e, olha, eu até pretendia seguir a dieta à risca. Colegas, amigos, familiares e até meu noivo aderiram à moda, com resultados excepcionais, e só tenho coisas boas a dizer sobre o programa. Mas preciso confessar aqui: eu não segui a dieta. No fim de setembro, devo ter feito três dias de Ataque (PP – proteína pura) e alguns dias de PV (proteínas + vegetais), mas nos outros dias, comi à vontade. Ou quase. Porque eu realmente privilegiei os alimentos escolhidos por Dukan — proteína e vegetais — e comecei a evitar outros que antes faziam parte da minha dieta do dia-a-dia — pão branco, massas, batatas, queijos amarelos, frituras. (Só não deu para escapar do Lollo, do brigadeiro do cupcake). E o resultado foi bom. Ontem, depois de meses sem me pesar, eis que subi na balança. Eliminei mais de 5kg desde setembro, sem passar vontade. Agora só falta perder mais 2kg para o casamento!

E os preparativos devem incluir um exame pouco comum. No último fim-de-semana, um amigo nosso veio contar uma das coisas mais interessantes dos últimos tempos. O mapeamento genético, aquele negócio bem complicado que há pouco mais de 10 anos parecia inacessível ao cidadão comum, custa hoje apenas 99 USD e pode ser feito com um kit encomendado pela Internet — eles entregam em vários países, mas o Brasil ainda não faz parte da lista. Você só precisa cuspir no tubo que vem no kit e enviar de volta, depois de cadastrar todas as informações online. Se dá para enviar daqui do Brasil, via FedEx, ainda não sei. Mas a possibilidade não deixa de ser fantástica.

O 23andMe tem como co-fundadora Anne Wojcicki, esposa de Sergey Brin, co-fundador do Google. O negócio passou por várias injeções de capital, e o exame, que custava 999 dólares inicialmente, hoje pode ser encomendado por 1/10 do valor, o que deve contribuir para aumentar a database deles. Basicamente, ao enviar o kit, você pode descobrir seus ancestrais, possíveis parentes distantes que já são membros da “comunidade” e, não menos importante, sua predisposição genética para algumas doenças já mapeadas e outras nem tanto — eles conseguem listar genes associados a estudos conduzidos recentemente que ainda não têm sequer o aval da comunidade científica. E se você fizer com seu cônjuge, pode conhecer um pouco mais sobre o possível futuro hereditário dos filhos. Se fizer com pais, irmãos, avós, os riscos que você carrega serão certamente melhor definidos.

Acho tudo muito interessante e intelectualmente estimulante, como já disse aqui, e pretendo fazer o exame com Tomás antes do casamento. Mas ainda estamos longe de um mundo como aquele retratado no filme Gattaca. O sequenciamento genético ainda custa muito, muito caro, e até este ficar disponível vai ser difícil pensar na ascensão de qualquer tipo de genoísmo. E, como meu pai me disse hoje, “informação sem sabedoria é [quase sempre] uma maldição”.

*

Terminei de ler The Duel, de Kleist, escritor de quem gosto demais. E agora estou terminando de ler The Mysterious Affair at Styles, de Agatha Christie (com Poirot) e gostando muito. Comentários aqui em breve.

Desamparo; Julian Barnes; Agatha Christie e histórias antigas

Julian Barnes e a capa de seu livro The Sense of an Ending. Imagem publicado no site The Telegraph.

Julian Barnes e a capa de seu livro The Sense of an Ending. Imagem publicada no site The Telegraph.

Li há alguns dias The Sense of an Ending, de Julian Barnes, recomendado numa das já saudosas manhãs com gin tônica em Itacimirim. Conhecia Barnes de nome e fama, tinha folheado Arthur & George algumas vezes, mas nada poderia ter me preparado para a leitura dessa novela de pouco mais de 150 páginas. Acabara de ler Beauvoir in Love (veja post sobre o assunto), e voltar para São Paulo, orfã da praia e da Bahia, e meio entristecida. Comecei a lê-lo na quinta ou sexta, terminei no almoço de domingo, e ele me assombrou até a noite de ontem, quando li, do início ao fim, um outro livro excelente de Agatha Christie (mais sobre isso daqui a pouco).

A leitura de Barnes aumentou meu sentimento de desamparo, mas de um jeito bom. Fiquei orfã do livro, dos personagens, do autor, e tinha vezes em que eu queria falar sobre ele, mas não podia. Esse é um dos seus charmes: você não pode falar sobre o livro para alguém que nunca o leu. Você pode dizer que o narrador é uma pessoa comum, que tudo começa como numa história de bar. Tudo o que acontece poderia realmente ter acontecido, e se tivesse acontecido, seria contado exatamente do jeito que Barnes escolheu. Quer dizer, se fosse contado por Tony, porque uma das coisas que aprendemos logo no início é que não tem jeito de escapar da consciência desse narrador. Ah, e quando o livro acaba, começa a angústia, a agonia, uma saudade profunda e indefinida.

A história é sobre quatro amigos de escola, um mais inteligente e estranho do que os outros, mas também é sobre o que acontece com eles depois que entra em cena uma menina rica, inteligente e bonita. O livro oferece algumas interpretações sobre o tempo, uma intimista, juvenil quase, outra indissociável da memória e uma terceira, a do leitor, implacável. O livro investiga o sentido de acumulação (de que Poirot fala em seu grand finale, por incrível que pareça), e de um fim realmente definitivo, que talvez não exista.

Levei dois dias para dar um chega pra lá no desamparo. Ontem, finalmente, li Curtain: Poirot’s Last Case do início ao fim. É o último livro de Agatha Christie com o detetive Poirot, e é excelente. Aliás, excelente é pouco, é o grand finale de um grande personagem, com estilo impecável e timing de mestre. Impossível parar de ler. Li algumas páginas no almoço, retomei a leitura à noite e só fui terminar às 2h30. Órfã, de novo. Ainda bem que tem muito livro de Poirot pela frente.

*

Há alguns dias, redescobri um pen drive com uma série de contos escritos entre 2005 e 2010, em inglês. Um dos contos foi inclusive criado muito antes disso, quando ainda estava na escola. Mas enfim. São histórias de fantasia, ficção científica e até horror (sim, algumas são assustadoras), que compuseram minha “alma” por muito, muito tempo. Os personagens são recorrentes e indissociáveis da minha vida naquela época.

Quando pensei em organizar e publicar meu livro na plataforma Kindle, a ideia era fazê-lo em português e publicar um livro que tivesse tudo a ver com o meu momento França e pós-França. Mas agora não sei mais. Não sei se tenho o direito de abandonar personagens, histórias e sonhos tão queridos e seguir em frente. O desafio será, realmente, voltar a escrever em inglês, nem que seja para revisar os textos e redigir pré e posfácio. Pois — agora vem o bônus — os textos já estão prontos, graças a Deus.

Agatha Christie, a rainha do crime

Encenação de And Then There Were None com Jennifer Wilson como Miss Brent. Foto do site http://www.freewebs.com/colinbaker

Encenação de And Then There Were None com Jennifer Wilson como Miss Brent. Foto do site http://www.freewebs.com/colinbaker

Não lembro quando comecei a ler Agatha Christie, mas sempre fui fã da escritora. Meu primeiro livro foi O Assassinato de Roger Ackroyd, depois passei a outros, ora com Poirot, ora com Miss Marple, culminando em sua peça mais brilhante, The Mousetrap. Um de meus filmes favoritos, Testemunha de Acusação, é baseado num conto de mesmo nome da autora (depois adaptado para o teatro). Nunca li. A versão de Billy Wilder, com os deliciosos e impecáveis Charles Laughton, Marlene Dietrich, Tyrone Power e Elsa Lanchester, é insuperável e pretendo me manter fiel a ela. Por enquanto.

Na última sexta-feira, estava procurando um livro de literatura fácil e grande estilo, aquele tipo de história que te prende desde o primeiro minuto e não larga nunca mais, que você lê mesmo quando vai jantar com amigos. Escolhi a versão Kindle de After the Funeral (vendido também em bancas e livrarias de São Paulo em sua versão L&PM Pocket a um preço baixinho). Fui conquistada logo na largada. A narrativa começa com o mordomo Lanscombe, que sintetiza tudo aquilo que esperamos de um mordomo na literatura. Ele prepara a casa para o funeral e faz algumas reflexões, rápidas, sobre a mudança dos tempos. Aí a história começa. A família rica e decadente, os irmãos e sobrinhos de moralidade oscilante, o sempre fiel executor e amigo da família Sr. Entwhistle, são peças excelentes e complementares no grande jogo de Christie. E temos um bônus, uma certa personagem irretocável, que me faz pensar em irresistíveis personagens literários, como aquele coadjuvante onipresente nos filmes de Hitchcock. Tudo com muita classe.

Quando terminei de ler na manhã de domingo fui logo contar a Tomás quem era o assassino. Bom, talvez não tenha dito exatamente quem era, mas revelei o gênero, o que ele não gostou nada. Horas depois me senti orfã de Christie (e de Poirot). Tinha três ou quatro livros candidatos numa lista no Kindle mas ontem decidi ler And Then There Were None, que não tem Poirot mas em compensação é considerado um dos melhores AC.

Li o livro numa única noite, e quando terminei, lá pelas 2 horas da manhã, estava tão apavorada que não consegui dormir. Já conhecia visual e sensorialmente todos os pedaços da Soldier Island e da mansão do U.N.Owen, e talvez nunca consiga esquecer a canção “de ninar” Ten Little Solider Boys:

Ten little soldier boys went out to dine;
One choked his little self and then there where Nine.

Nine little soldier boys sat up very late;
One overslept himself and then there were Eight.

Eight little soldier boys travelling in Devon;
One said he’d stay there and then there where Seven.

Seven little soldier boys chopping up sticks;
One chopped himself in halves and then there were Six.

Six little soldier boys playing with a hive;
A bumble bee stung one and then there were Five.

Five little soldier boys going in for law;
One got into Chancery and then there were Four.

Four little soldier boys going out to sea;
A red herring swallowed one and then there were Three.

Three little soldier boys walking in the Zoo;
A big bear hugged one and then there were Two.

Two little soldier boys sitting in the sun;
One got frizzled up and then there was One

One little soldier boy left all alone;
He went and hanged himself

And then there were None.

O melhor Agatha Christie. Sem dúvida. Ou talvez os outros sejam tão bons quanto. Livro bom é assim: você lê em uma só noite.

Leituras irresistíveis

Nada mais gostoso do que ler no Kindle em Taci

Recebi hoje minha New Yorker de 28 de maio, um atraso danado. Mas o ensaio Easy Writers de Arthur Krystal, é delicioso e vale a leitura (infelizmente é necessário comprar a edição ou já ter a assinatura para ler). O campo de investigação é muito bem definido: o que seria de nós, reles mortais, sem a literatura fácil, a “genre literature”. Nenhum leitor que se preze vive só de alta literatura. E cada um tem seu escritor das horas difíceis ou tediosas — no meu caso, P.G Wodehouse acaba com qualquer tristeza e Agatha Christie, com qualquer tédio. E não resisto ao magnífico Georges Simenon, para muitos o único “escritor” do gênero policial — e uma das grandes delícias de se conhecer o idioma francês.

Mas muitos dos escritores fáceis de antigamente são hoje respeitados — Somerset Maugham, que aos 23 anos já vivia da literatura e escreveu um excelente conto sobre uma escritora adorada pela crítica: não ganhava um tostão e vivia às custas do marido até ser abandonada por ele. E é então que ele lhe dá um grande conselho: “Ora, por que você não escreve histórias de detetive? A crítica vai adorar ter uma desculpa para ler o que quer, e as massas finalmente cederão a seus livros”. E assim ela fica rica*.

Recentemente sucumbi a Stieg Larsson e adorei. Não tem nada melhor do que um livro gostoso para substituir as horas incontáveis na frente da TV ou os devaneios sem fim de um domingo de solidão.

*: Para descobrir qual o nome do conto, é só dar uma espiada no 2o post do dia…